NOITE DE INSÔNIA
Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,
Onde este grande amor floriu, sincero e justo,
E unimos, ambos nós, o peito contra o peito.
Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;
Este leito que aí está revolto assim, desfeito,
Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto.
Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito.
Mudou-se, para mim, num leito de Procusto!...
Louco e só! Desvairado! A noite vai sem termo
E, estendendo, lá fora, as sombras augurais.
Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.
E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais,
Quanto me punge e corta o coração enfermo,
Este horrível temor de que não voltes mais!...
[Emilio de Menezes]
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A CHEGADA
Noite de chuva tétrica e pressaga.
Da natureza ao íntimo recesso
Gritos de augúrio vão, praga por praga,
Cortando a treva e o matagal espesso.
Montes e vales, que a torrente alaga,
Venço e à alimária o incerto passo apresso.
Da última estrela à réstia Ínfima e vaga
Ínvios caminhos, trêmulo, atravesso.
Tudo me envolve em tenebroso cerco
— D' alma a vida me foge, sonho a sonho,
E a esperança de vê-Ia quase perco.
Mas numa volta, súbito, da estrada
Surge, em auréola, o seu perfil risonho,
Ao clarão da varanda iluminada!
[Emilio de Menezes]
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ENVELHECENDO
A Luís Murat
Tomba às vezes meu ser. De tropeço a tropeço,
Unidos, alma e corpo, ambos rolando vão.
É o abismo e eu não sei se cresço ou se decresço,
À proporção do mal, do bem à proporção.
Sobe às vezes meu ser. De arremesso a arremesso,
Unidos, estro e pulso, ambos fogem ao chão
E eu ora encaro a luz, ora à luz estremeço.
E não sei onde o mal e o bem me levarão.
Fim, qual deles será? Qual deles é começo?
Prêmio, qual deles é? Qual deles é expiação?
Por qual deles ventura ou castigo mereço?
Ante o perpétuo sim, e ante o perpétuo não,
Do bem que sempre fiz, nunca busquei o preço,
Do mal que nunca fiz, sofro a condenação.
[Emilio de Menezes]
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