segunda-feira, 10 de maio de 2010

VALE A PENA LER

NOITE DE INSÔNIA

Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,

Onde este grande amor floriu, sincero e justo,

E unimos, ambos nós, o peito contra o peito.

Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;

Este leito que aí está revolto assim, desfeito,

Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto.

Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito.

Mudou-se, para mim, num leito de Procusto!...

Louco e só! Desvairado! A noite vai sem termo

E, estendendo, lá fora, as sombras augurais.

Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.

E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais,

Quanto me punge e corta o coração enfermo,

Este horrível temor de que não voltes mais!...

[Emilio de Menezes]

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A CHEGADA

Noite de chuva tétrica e pressaga.

Da natureza ao íntimo recesso

Gritos de augúrio vão, praga por praga,

Cortando a treva e o matagal espesso.

Montes e vales, que a torrente alaga,

Venço e à alimária o incerto passo apresso.

Da última estrela à réstia Ínfima e vaga

Ínvios caminhos, trêmulo, atravesso.

Tudo me envolve em tenebroso cerco

— D' alma a vida me foge, sonho a sonho,

E a esperança de vê-Ia quase perco.

Mas numa volta, súbito, da estrada

Surge, em auréola, o seu perfil risonho,

Ao clarão da varanda iluminada!

[Emilio de Menezes]

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ENVELHECENDO

A Luís Murat

Tomba às vezes meu ser. De tropeço a tropeço,

Unidos, alma e corpo, ambos rolando vão.

É o abismo e eu não sei se cresço ou se decresço,

À proporção do mal, do bem à proporção.

Sobe às vezes meu ser. De arremesso a arremesso,

Unidos, estro e pulso, ambos fogem ao chão

E eu ora encaro a luz, ora à luz estremeço.

E não sei onde o mal e o bem me levarão.

Fim, qual deles será? Qual deles é começo?

Prêmio, qual deles é? Qual deles é expiação?

Por qual deles ventura ou castigo mereço?

Ante o perpétuo sim, e ante o perpétuo não,

Do bem que sempre fiz, nunca busquei o preço,

Do mal que nunca fiz, sofro a condenação.

[Emilio de Menezes]

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